terça-feira, julho 14

Velho Elefante

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Eles estavam todos olhando para mim, um olhar de ódio e um sorriso de desesperança, assim como quem olha para um elefante torturado no circo. Eu sou um elefante.
Depois de acordar, procuro sempre tomar o meu remédio e investigar a minha gaveta, quando
estamos velhos esquecemos constantemente dos óculos. Os óculos fazem parte do nosso corpo, bem como os remédios. Minha casa solitária é um caos quando abro as portas e deixo o vento entrar, pois eles disputam o primeiro lugar e penetram o meu corpo pelas brechas do meu nariz; todo o pulmão enche-se de ar e liberta-se dele, um fluxo devasso que ora rouba a minha atenção e ignora os meus deveres. O relógio badala, são seis horas. Nenhum aluno está acordado, somente o professor.
Bebo o meu café, como o meu pão e é a hora de partir. Mais um dia, e eu tenho medo que esse mais e mais um dia também ceda ao fim. Prefiro saber que é mais um dia, o menos não agrada os meus valores e olhe que não sou professor de matemática. Mas, de que adiantou essa declaração. Na velhice falamos demais, nos tornamos prolixos por existência. Provavelmente porque já vivemos tudo.
Um bom dia aqui, um bom dia ali e um bom dia lá. É tão bom dizer bom dia, ainda mais se for para as alunas gostosinhas. E gosto de alunas gostosinhas e elas nunca reclamaram do meu método de ensino, mesmo ele sendo dolorido, longo e velho. Os alunos são alunos: rebeldes, questionadores e francos. Suportei a tudo durante quinze anos. Mas, naquele dia. Naquele dia.
-É por isso mesmo que ela tirou a maior nota. Dorme com o professor!
Uma injustiça com Dorinha. Ela ainda não tinha dormido comigo, eu estava louco para dormir com ela e por isso o trabalho individual dela foi a base para minhas perguntas avaliativas. Uma injustiça com Dorinha.
-Ela faz tudo ao contrário e quer saber de uma? Eu li o trabalho dela e todas as respostas encontravam-se naquele trabalho.
-Isso é um absurdo. É a educação que temos em um país como o Brasil. Gente baixa...
-Certo. Vocês estão certos e ao mesmo tempo errados. Fiz sim as perguntas com base no trabalho de Isadora, mas nunca dormi com ela.
-Mas, gostaria.
-Sim, gostaria. Isso é um problema meu.
Dorinha levantou-se e saiu da sala. Eu me retirei. Os alunos se retiraram. Todos foram a Diretoria. A via sacra da pedofilia abstrata. O que um desejo não faz a um velho professor de alunas gostosinhas. Fui massacrado publicamente feito um elefante torturado no circo. Eu sou alto, gordo e meu nariz é grande. Minha memória é um escândalo. Sou um elefante que gosta de coisas pequenas e gostosinhas.