sexta-feira, agosto 27

E quando parece ser

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- Desde muito cedo não consigo pensar em outra coisa a não ser você. Por que você não me deixa em paz? Que prazer é esse em observar os sofrimentos alheios? Até quando você quer brincar comigo?

- ...

- Fale! Crie coragem!

- Eu não sei, às vezes, sou arrogante e tenho muita presunção. Me descul...

-Desculpar, claro que desculpo. O problema é o cansaço. Já te desculpei muitas vezes e sempre me arrependia de ter desculpado. Porque você é sempre culpado pelos dias mais tristes que vivo.

- Olha, eu penso da gente acabar logo com isso, cessar essa brincadeirinha que vivemos.

- ...

Lá vai ele com as mãos no bolso, o coração insensato e a cabeça estourando. De longe, ela o vê se distanciar e lembra de alguns poucos momentos felizes. Procura um senso comum, um mito que a conforte, e acha: Não era para ser.

Vira as costas e quer levantar a perna para o primeiro passo de uma nova mulher, mas algo pertuba-lhe a mente e insiste em prender os pés naquele local, conseguindo movimentar o tronco, apenas. E um barulho ensurdecedor penetra ao ouvido e se perde no labirinto com as lembranças daquele homem. Agora, estirado no asfalto e já não mais contrariado ele ficará até o fim dos dias no labirinto da ex-namorada. Não era para ser. Não era. Não.

quinta-feira, agosto 26

Inspirado nas mulheres de Chico Buarque

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Se tivesse dito as palavras certas, na hora certa, no momento exato, no instante bendito. Coitado, estaria vivo! Vivo e pulsante! Latejante. Gotejante. Vibrante. Tenso. Virou água. Desandou. Solou. Solar? E existe esse verbo? Não sei.

Era para permanecer inquieto, mas envelheceu. Tornou-se mole, fraco. Eu disse para ele, isso iria acontecer. E agora não quer ser velho! Quer ser o mesmo rapagão de sempre. O mesmo raparigueiro. Se eu tivesse escolhido aquele poeta.

Nós mulheres somos safadas. Somos. Algumas, raríssimas, conseguem controlar a ardência. Eu, não. Não consigo. Sou do tipo feminista, mas homem tem de ser Homem na hora da cama. E mulher tem de ser mulher, porra! Por isso que escolhi ele. Porque ele sabia o tom certo da maldade. Se os homens soubessem envelhecer...

Um Homem Só

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(Cadeira de balanço, homem só)

As cartas voltarão, não quero saber nada sobre Julieta. Nada, exatamente, nada! Se ela morrer, ora, morra! Vou deixar as coisas acontecerem sem interferir nos desígnios de Deus; mesmo sendo eu um ateu. Cansei de me responsabilizar pelas coisas e de levar uma vida cartesiana e de ser lógico. É. Cansei de ser lógico! Vou tentar me perder em confusão, meio de repudiar essa academia maldita que me roubou mais de doze anos de vida em troca de títulos para apenas aumentar dígitos na minha conta bancária. A duras penas lutei por amores, cansei, suspirei, imaginei e sofri. Vou tentar seguir uma filosofia libertina, abrir mão desses amores puros e castos. Cansei de amores puros e castos! Julieta, para mim, faz eu me sentir puro e casto. Porra, Shakespeare, você tinha que me criar assim? Seus homens sempre atormentados com sentimentos universais? Eu vou abrir mão dessa história, juro! Vou abrir mão. Esses nomes são deveras... eles carregam alguma coisa.

Deixarei as cartas voltarem. E a casa ficará com teias de aranha, se minha boca também ficasse. Deixarei a comida para as baratas. Esquecerei de escovar a boca. Abrirei mão do meu trabalho. Não atenderei o telefone. Esquecerei de mim e do mundo. E para mim, para mim, pouco importa o que o mundo pensa e acha de um homem só. Sou só e já não preciso do mundo para nada, a não ser para ler uns livros e saber que eles existem em caso de emergência. Vou tentar ser menos lógico.

quarta-feira, agosto 25

Ônibus certo

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(Ponto para pegar o ônibus)

Ele não sabe o que acontece com ele. Ele parece não fazer questão de saber. Quer ignorar e ser ignorante e pleno na vida.

(Ponto para pegar o ônibus)

Pressionada pelos pais a entrar numa faculdade digna e num curso digno. Sabe-se lá o que é dignidade!

(Ponto para pegar o ônibus)

Atrasado em tudo. No trabalho, na festa, na escola, na livraria, atrasado sempre. Atrasado em conceitos. Conservador atrasado.

(Ponto para pegar o ônibus)

Ela pensa nele. Ela imagina o corpo dele na noite da primeira vez e será logo depois da aula.

(Ponto para pegar o ônibus)

Ele pensa nele. Tenta não pensar e pensa não pensando. Já é paixão.

(Ponto para pegar o ônibus)

Ninguém. Só o vento.

De longe, todos já atrasados, sabem que o ônibus não passará. Porém, continuam lá. Acreditam firmemente que ônibus vai passar, ele não passará.

segunda-feira, agosto 23

Conte comigo

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1-2-3-4-5-6-7-8-9-10-11-12-13-14-15-16-17-18-19-20-21-"22"-23-24-"25"-26-27-28-"29"-30-31-32-"33"-"34"-"35"-36-"37"-38-"39"-"40"-41-42-43-44-45-"46"-47-48-49-"50"-"51"-"52"-"53"-"54"-"55"-"56"-58-59-"60"-61-62-"63"-64-65-66-"67"-68-69-"70"-71-72-73-74-"75"-76-"77"....

é nossa vida, é nosso tempo e são nossas escolhas.

domingo, agosto 22

Sabor Chocolate

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Seu relógio quebrou, suas pernas ficaram roxas.
O laço da gravata se desfez,
o galho da árvore entortou.

A lua continua ali,
última companhia de últimas horas.

O relógio foi consertado, suas pernas melhoraram.
O laço foi dado,
o galho continuou entortado.

A lua continua ali,
agora, oculta, calada e escondida.

Veja o tempo como é,
e o que leva a cada coisa,
e quando podemos morrer,
e quanto podemos correr,
e como cada coisa pode ficar torta.

quarta-feira, agosto 18

Escutou o Pessoa

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Depois de procurar por tantos lugares algo publicável, desconsiderando a imensa lista de rascunhos, o mortal autor pensou sobre muitas coisas, dentre elas: a devida diva ávida vida. Notou sua infinita finitude no poeta de linha reta, compartilhou alguns segredos e tantas outras frustrações. Diálogo breve.

"Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado,
para sempre, à margem de nós mesmos".

(Fernando Pessoa)

Emudeceu e aliviou-se.

sexta-feira, agosto 13

A Vida dos Outros

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Um livro. Um filme. Um quadro. Uma dança. Uma escultura. Todas as artes ditas representações de vidas. Porém, quando a vida é a própria arte e meio de admiração, êxtase e catarse, o valor da privacidade fica submetido a alguma coisa. Talvez, o que decide ser privado ou não é a relação do autor entre os personagens e o leitor. Tá difícil?

Tente assistir:

A Vida dos Outros (Das Leben Der Anderen)
*Ganhador do Oscar 2007 de Melhor Filme Estrangeiro
Diretor: Florian Henckel von Donnersmarck
Roteirista: Florian Henckel von Donnersmarck

quarta-feira, agosto 11

Ele chegou

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Estava a sua espera, aqui na varanda de minha casa. Sentia que ele chegava de algum lugar pelas ruas de Juazeiro. Os ruídos, o roncar, o vruuuum das motos eram suficientes para abandonar o curso virtual de Metodologia Científica, para saber e ver se era ele.

Foram dois toques na campanhia. Dois. E eu sabia que agora é, pensei agora será. E era. Proust. Meu sonho mais distante ali perto de mim. Eu e ele que não tinhamos tido nenhum contato. A única coisa: olhares. Meu olhar de vontade lançado no dele, o olhar sublime daquele jovem que eu queria.

Marcel Proust nas minhas mãos. Eu abraçei. Esqueci de beijá-lo, mas ele é meu e tempo tenho, e vou perder e buscar tempos perdidos, uma coleção completa! Com os relógios quebrados e os ponteiros desajustados, a gente vai deitar sobre a cama e deleitar os nossos corpos tácteis, compartilhando junto as temeridades dos nossos inimigos em comum: o fogo, a umidade, os animais, o tempo e o próprio conteúdo (cantaria Caetano Veloso, na música Livros, numa trilha linda feita para a minha leitura, embora prefira Ne me quitte pas).

Comentário inoportuno: considerando o histórico das minhas relações com "Marcelos", todos que conheci foram marcantes. E também, teve uma Marcela. A última marca anterior a Marcel. Meu conceito de marcante é sinônimo de cicatrizes, quase influências, inesquecível.

Veio vestido de azul. Em três tonalidades azuladas. Azul como a imensidão do céu e o mistério por cima dele, o próprio céu, no caso, na profundidade. E antes de me considerar suspeito como heterossexual, hoje estou me deitando com Friedrich Nietzsche, ainda tenho a Virginia Woolf esperando a oportunidade de atar-me entre as pernas. Depois, se quiser continuar me rotulando de qualquer outra coisa, siga em frente, não domino o fluxo de pensamentos alheios. Por fim, eu sou assim mesmo: fácil, devasso, lascivo, Independentemente da opção sexual, sou assim para todos os quais permanecem na prateleira do meu quarto. O segredo é que, muitas vezes, eles se materializam; os acontecimentos são outros tantos.

segunda-feira, agosto 9

O Perceber, O Notar, O Entender

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Tem a cabeça muito grande. Os braços debilitados e as pernas sempre prestes a correr. Os dedos calejados, na mão e no pé.

Tem o coração grande e espaço suficiente para sempre amar mais, ter mais, querer mais. Seu peito é largo, por isso, talvez, se coloque na linha de tiro. Suas unhas são miúdas, sem garra para conseguir tudo acima de qualquer outra coisa. Abre mão de amores, flores e amizades, ainda com as unhas tão bem cortadas. Os olhos profundos e complexos, aguados de tanto sofrer pelo que pode fazer e não faz. Na palma da mão ele tem um "M" igual a muitas pessoas. Um dia ele encontrou um "R", depois, um A, em seguida, um "O". Foi a uma cartomante sem conhecimento de quirologia e ficou sabendo da mulher de sua vida viver em ROMA.

Ela não estava lá.

E estudou matemática. Fez anagramas. Permutas. Teorias. Fórmulas. Cego por não colocar as coisas em ordem. Tinha perdido a beleza do poder da simplicidade, algo fácil no mundo louco e ritmado descompassado. E usou a mente. Usou o olhar desabitual:

A-B-C-D-E-F-G-H-I-J-L-M-N-O-P-Q-R-S-T-U-V-W-X-Y-Z

Na sua mão, AMOR. Lembrou das horas do banho e do arrepio do sabonete esfregado na pele. A mão na pele, em toda pele, por toda pele pelada. Amara a si mesmo, e não notara. Já era tarde, estava em Roma. Havia guerra e uma bomba explodiu.

Desfigurado no ar, percebeu a proporcionalidade interior sintonizado aos membros. Em fração de segundos, reconheceu o valor de cada parte já separadas no ar. Como se sobrevivesse entre a morte e a vida e notasse o fim da arquibancada.

A cabeça muito grande se foi, direto ao chão, ensaguentada de racionalidade vil. Os braços debilitados e as pernas sempre prestes a correr, foram inúteis na hora da morte, e o pior, durante a vida toda. Os dedos calejados, na mão e no pé; único orgulho de ter usado alguma coisa. O coração grande alimentou uma matilha faminta. As unhas miúdas desapareceram quando quis no último instante permanecer vivo. Agarrou no carro, lá elas ficaram a sós. Um corpo inútil, um espírito arrependido. Havia guerra e uma bomba explodiu.

quinta-feira, agosto 5

Sobre as Turbinas e o Combustível

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Faço-me de intruso no meu próprio ser. Querendo descobrir o fator fortalecedor propulsante na decorrência dos dias sucessivos. Eu só quero esclarecer o que fazer com mais quarenta anos de vida. Apesar de pretender cem anos, imagino o sessenta para não me decepcionar.

Precisamos de uma definição para acordar audacioso durante toda a vida. Mais: precisamos de um objetivo utópico, daquele chavão do Plano A e Plano B. Se não fizermos isso estaremos condenados ao tédio, fadados ao tédio. E seremos pessimistas, depressivos, niilistas... Gosto desses adjetivos. Com certa distância, me faz lembrar personagens brilhantes! Desses adjetivos, só numa fase!

Resta-me a arte para gozar da vida sem meter as mãos na calça. Ainda assim, sem necessitar de um espaço acolhedor. Já que um dia isso não funcionará mais, nesse ponto estou muito a frente de muitos homens reduzidos à "esponja cavernosa".

segunda-feira, agosto 2

Aqui, ali, lá

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Definir as coisas pode ser delimitar as coisas, compreendendo a extensão dela em dado contexto.

Falar o que é amor é ao mesmo tempo falar o que vejo, como vejo e quanto sinto. São coisas tão complicadas de haver um discernimento, uma pureza dita cientificamente social.

Positivismo. Colírio. Óculos novos. De que forma queremos enxergar o mundo? Onde estamos não propicia uma interpretação diferente?

(Inspiração de um grande. Grande Bruno*, grande Bruno!)


*Professor Doutor em Literatura...