quinta-feira, fevereiro 10

Desencontro

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Estava eu,
estava lá.
Calado, triste,
sem dizer,
sem saber,
sem querer,
mas estava lá,
estava lá.
Eu estava,
eu era.
Quem fosse
embora eu estivesse
fosse o que fosse
eu
pra sempre
te amaria,
eu te amei,
estava claro,
estava certo,
estava perto,
tão perto
que não dava para enxergar,
enxergar o contorno,
as bordas tecidas de
dor,
lágrimas.
Eu estava
PERTO
Eu estava
CERTO
Eu estava lá.
E você
chegava,
enquanto eu
conquanto eu
ainda que eu
assim que eu
partia.
Sorria,
nós não morremos,
está tudo atado,
o desencontro é o sal.
E você
chegava,
enquanto eu
conquanto eu
ainda que eu
assim que eu
partia.

Desmebramento de Si

0
- Não sei se é certo: Ele é estranho.

-Estranho não é bem o termo que facilita o entendimento da figura. Diêgo é extremamente um monte de coisa e cada vez que ele aparenta ser um monte de coisa, ele muda.

-Muda mesmo. É contraditório.

- O quê?

- Ele. Diz que gosta de pessoas simples, e é tão complexo. Seria melhor dizer: complexado?

- Não sei.Se eu pudesse ajudá-lo. Sei-lá, ele parece ser indefeso. Você já reparou os olhos dele?

- Que é? Vai dizer que são olhos de cigana...

- Não. É como uma pintura de Van Gogh: são dois girassóis naquela face carrancuda, dois girassóis perdidos e desvalorizados pela alma dele, que suspira dentro de um corpo quase sem tato.

- Olhando bem, você tem razão. Dois girassóis perdidos, à deriva de um olhar deslocado em relação à alma. Por que será que ele perdeu a graça de viver com/para/pelos outros?

- Ele não perdeu a graça de viver... ele esconde. E por qual motivo ele faz isso? Frustração, talvez, quem sabe o que vem depois da fase da carência. Um problema de ordem sexual, por isso psicológica. O que importa é que todos nós sabemos a razão de nossos problemas, principalmente ele.

- Aquele ar de introspectivo...

- É dele.

- Aquele ar de individualismo...

-É dele.

- Aquele ar de amante inconfessável...

- Também. Ele é muito mais do que aparenta ser, e pensa que é muito menos. Eu acho que ele ainda não decifrou a essência de Shakespeare para entender-se.

- Quer saber?

- O quê?

Olharam-se e entrelaçaram os braços, transformando-se, ambos, em suspiros de uma noite de verão.

segunda-feira, fevereiro 7

A Mulher no Quarto

1
E no último minuto da vida dela, pensou que estaria no fim, mas ninguém está no fim, ninguém vive o fim, não há fim, nunca existiu. As coisas apenas param de funcionar por esquecermos dela ou não termos mais o prazer de tê-las, descobriu.

Foi tudo tão de repente que de repente mesmo ela começou a escutar vozes, de repente mesmo, ela começou a dançar sobre a cama com o travesseiro. Flutuava.

- Nunca acreditei em espiritismo, nunca!

Não era espiritismo. Era tudo tão louco e tão novo, eis mais uma descoberta: As novidades que as loucuras trazem, bem como o inverso do reverso invertido.

As palavras perdiam a lógica. O significante exercia independência das formas.

Ela correu, correu, correu atrás de oxigênio. Forçou uma relação de mutualismo com a Margarida do jardim. Já não dava mais. O mundo cansou dela, ela não sabia respirar como o mundo precisa de gente que o inspire.

O mundo estava ainda no começo de uma prolongada chacina.