sexta-feira, julho 16

Intervenção Urbana

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"Bom Dia. Gostaria de te dar uma palavra, eu posso?"

A cidade corre, os carros correm, as pessoas andam (correndo) e a gente estava tentando pará-las. Coisa de teatro, dessa gente que pensa que pode mudar um pedaço de terra sagrado um dia já citado por J.D. Salinger. As pessoas, assim, rápidas e sem pensar muito, parecem robôs programados para resolverem problemas, saca? Problema, música impecável do grupo musical Titãs?

"Cada qual com o problema que lhe convém
Quem não tem invente
Pegue de algum parente
Mastigue pedra pra ter dor de dente
Escreva uma carta para o presidente
Arranje um problema para ser mais decente
Se você quiser eu te dou um de presente
Invente o seu problema"


Eu mesmo, nessa idéia de jogar com os transeuntes, levei uns quatros tocos.

Estou apressado. Se for coisa de evangélico, não quero ouvir. Rápido que tenho um audiência.

Eu tentava estabelecer uma relação justamente com essas pessoas "apressadas", mas, porra, elas realmente tinham um objetivo e por isso andavam (correndo). Quem sai por aí andando sem rumo? Talvez, até os loucos andem com um propósito: o de se perderem.
Por isso, não tiro a razão dessas pessoas machucadoras de intervencionistas urbanos. Não, não tiro. No entanto, esses intervencionistas muitas vezes não as encontra ao acaso. Foi dessa forma e dessa palavra com a Dona Ivone, linda senhora, uma flor esquecida no jardim e cercada de uns homens que pareciam proteger aquela preciosidade rara. Homens de moto-táxi ao redor da banquinha de doces.

Dona Ivone foi a terceira pessoa abordada. Antes dela, tentei abordar uma senhora corpulenta e fracassei. Em seguida, abordei mãe e filha de mãos dadas, e perguntei a bússola do projeto: O que é Nostalgia? Elas demoraram um pouquinho para responder, até pronunciarem a palavra que eu menos esperava como primeira definição de nostalgia. Fulminante: SO/LI/DÃO. Quem me conhece, sabe. Sabe que essa palavra remete facilmente ao meu vocabulário próprio e associa-se efetivamente com ele, com quem? O destinador de Cem Anos de Solidão. Aí depois veio Dona Ivone.

Não tive como fingir para a flor esquecida no jardim, embora eu tenha tentado. A senhora foi me descontruindo, arrebatava toda coerência do jogo dramático. E foi falando, me dizendo, escutava, opinava. Sabe quando você num dá nada por uma pessoa? Sabe quando você pensa que é só mais uma pessoa? E de repente é tudo muito maior? Exatamente assim. Eu queria muito encontrar uma pessoa afetiva. Coisa de neto apegado a uma avó. Dentre as profissões possíveis se não fosse o mundo literário, não hesito em dizer que seria Médico. Geriatra. Médico Geriatra. A definição de nostalgia da D. Ivone? Em breve coloco aqui: "...". É que quero as palavras exatas as quais não lembro e permanecem anotas no caderno da minha amiga Ádila.

Foram muitas definições sobre Nostalgia. Muitos olhares também. Teve uma outra senhora, de pele escura, que acreditou tanto nas minhas palavras... Eu a disse que o dicionário (eu carregava um dicionário) não me servia, pois a definição não correspondia ao meu sentimento. No dicionário Aurélio: Saudade da pátria; saudade. E ela olhou para mim, intrigada e cheia de compaixão, "esses dicionário não diz mesmo o que a gente quer não". Emudecido fixei o olhar no olhar dela. "É saudade de alguém, só que eu não sei quem é, saudade de alguma coisa".

- Eu perdi um tio...

- Ah, é isso. É isso.

- A senhora também tem isso?

- Tenho, meu filho. Eu tenho. Tenho saudade de minha filha que viajou agora, um dia desse.

Cada preciosidade. Cada pessoa brilhante passa pela gente e a gente passa por ela e nada acontece, a não ser um vento frio cortado por corpos andantes (correntes, corridos, que correm).

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