terça-feira, janeiro 26

Capricho

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Seus lábios ainda estavam vivos quando mordi sem condição alguma e arranquei um pedaço de sua boca, mastiguei com ódio e alegria. Agora usava o batom mais lindo que já tinha visto, naturalmente disfarçada de puta real.

Era mais de meia noite e por isso estávamos na transição da primavera ao outono, no exato minuto que passava com um amigo meu pelo beco das laranjas. Lá estava ela transformada em puta vulgar, eu que já tinha oferecido tanto para a tal sair da profanidade. Dois mundos desabaram; o meu, por está no beco das laranjas naquele horário e o dela, por está alí novamente trajada do passado em estampas vermelhas.

- Por aquí!?
- Ah, por aquí!?
- Sim, por aquí.
- Pois bem, aquí estou!

As mulheres não decidem algo de imediato, dizia o pai do avô de meu pai. Sucederamm todas as gerações com a mesma frase, alí foi o meu instante para estampar o meu momento hereditário. Elas não decidem, ficam se remoendo e questionando a inteireza das consequências. Um peso e um alívio. O olhar dela necessário foi, dizia o orgulho de está alí e sentir algo maior e mais ardente nas entranhas pertencentes a todos que pagassem mais que vinte reais.

Nós homens somos também fracassados por vida, tudo pesa. E quem se livra de ser homem, assim torna-se outra entidade e atinge um grau mais elevado de humanidade, consegue viver sem tanto compromisso, tanta responsabilidade.

Entendia o olhar de desprezo em direção às minhas pernas em seu ângulo de exatos oitenta e três graus. Em profundo desespero arranquei a camisa dela e observei pela última vez os peitos que tanto me fascinava, peitos de uma mulher de quarenta e poucos anos.

Avançou sem dó em direção ao volume contido nas minhas pernas, apertou sem piedade e disse:

- Você, você ainda é um garoto para mim. Eu preciso de algo mais vibrante, entende? Vibrante?

Pedi ao meu amigo para arrastar o carro em velocidade máxima. Gaguejei transtornado de tanta decepção, não por qualquer coisa. Pela aquela mulher eu larguei a faculdade, reneguei a minha mãe, briguei com o meu pai e gastei o restante da poupança. Ela já estava misturada a poeira do beco. Já era outono e as folhas ameaçavam caí.

Irremediável, resguardei os prantos em livros. Li Caio Fernando Abreu, uma desgraça momentânea. Li Shakespeare, sem sorte arranjei Macbeth. Abandonei todos os livros, nada alucinava, nada. Sentia-me viciado, roxo de marcas de tanto lançar-me a parede e ao chão. Todos sabiam do meu desespero e contemplavam tal desespero com antinteses sentimentais: alegria e tristeza, o nome da família limpo e eu ferido amargamente.

Não houve jeito. Liguei inúmeras vezes e na sétima vez ela atendeu, bêbada e feliz.

Seus lábios ainda estavam vivos quando mordi sem condição alguma e arranquei um pedaço de sua boca, mastiguei com ódio e alegria. Agora usava o batom mais lindo que já tinha visto, naturalmente disfarçada de puta real. Agora eu era agressor e realizado por tamanha coragem, pedi perdão.

Já acorrentada na confusão das minhas atitudes, visitou-me umas cinco vezes na cadeia e transou todas as cinco. Acontece que foi encontrada morta no beco das laranjas, tinha sido morta por uma mãe inconformada pelo destino do filho. Assim, também são as mulheres, Tempestuosas. Plurais. Mulheres.

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